Estudantes analisam a música brasileira em atividade do Itinerário de Ciências Humanas
As turmas do Ensino Médio, no Itinerário de Ciências Humanas, em 2023 voltaram-se às diferentes formas da arte. Na disciplina de Estudos Sociais da Música Brasileira, ministrada pelo professor Artur, os estudantes praticaram análise musical para pensar o contexto dos movimentos musicais brasileiros ao longo do século XX, seus artistas e suas composições.
Para realizar essa imersão foi importante estudar, mesmo que brevemente, as ideias de Antonio Candido que escreveu sobre a apreciação estética e a necessidade de compreender o contexto para analisar o texto. Alinhada a essa perspectiva de crítica e sociologia, a turma passou a ouvir música com especial atenção aos seus elementos, como ritmo, melodia e harmonia, bem como os parâmetros do som, a exemplo do timbre, da intensidade, da altura e da duração.
Nesse percurso, a forma da canção foi se alterando até chegarmos nos assim chamados ‘malditos’ da MPB que, como o nome sugere, fizeram experimentações formais e líricas que causaram estranhamento aos ouvintes dos sucessos do rádio nos anos 1970 e, assim, não agradaram o ‘bendito’ mercado fonográfico que ditava as regras do que se deveria ouvir naquela época.
“Na letra, Itamar conta para seus ouvintes como foi duro chegar onde ele chegou (provavelmente no rádio), conta o que ele teve que passar e onde já se apresentou (galinheiro, procissão, terreiro…), e agora seu objetivo é cantar na televisão. Essa letra faz uma crítica/brincadeira/referência aos malditos da MPB, que não têm lugar na mídia. Conta como é mais difícil para um artista mais experimental ter reconhecimento do público, muito menos da mídia e indústria, por isso o refrão ‘Agora eu quero cantar na televisão’. Por mais que a música seja mais ‘normal’ comparada com outras, ela é maldita.
Musicalmente, isso está evidente logo no começo, com os dois cantores falando frases que só farão sentido se você refletir. Quando a banda entra, a base é a frase/acordes em escala crescente, o ‘plim’ é meio imprevisível, e do nada rapidamente a música vira um reggae e volta pra base inicial, então tem os brécks ‘pa, pa, pa’. Quando as partes cantadas acabam tem uma parte instrumental (uma ponte) que as vozes fazem sons por cima, essa parte é tocada numa escala decrescente.” Nina Tressoldi
“As letras da música são repletas de metáforas e imagens evocativas que sugerem uma sensação de segredo, mistério e melancolia. A letra sugere que há algo oculto, sombrio e indescritível no coração do eu lírico, e ele se sente compelido a compartilhar esse segredo, apesar de não conseguir encontrar as palavras certas para fazê-lo.
A melodia da música é lenta e melancólica, com acordes de guitarra e violão que criam uma atmosfera de tristeza e contemplação. O arranjo minimalista permite que a voz de Macalé brilhe, enfatizando a mensagem emocional da música.
Macalé canta a música de uma forma que transmite uma profundidade emocional da música. Sua voz é carregada de emoção, e sua entrega transmite a sensação de angústia e desespero que permeia a letra.
A música traz uma sensação de confissão e revelação, sugerindo que compartilhar um segredo sombrio pode ser libertador, mas também assustador, o título ‘Mal Secreto’ pode se referir a segredos pessoais, traumas, medos reprimidos ou outras experiências emocionais difíceis de expressar.” Pedro Picinin
“O pôr do sol vai renovar, brilhar de novo o seu sorriso: a canção começa mencionando o pôr do sol, sugerindo uma ideia de renovação e otimismo. O sol é frequentemente associado à vida e à alegria.
E libertar da areia preta e do arco-íris cor de sangue, cor de sangue, cor de sangue …: Esses versos podem ser interpretados de várias maneiras, mas podem se referir a aspectos da cultura e da diversidade brasileira. A ‘areia preta’ pode simbolizar as praias do país, enquanto o ‘arco-íris cor de sangue’ pode ser uma referência a conflitos ou desafios enfrentados pela sociedade.
O beijo meu vem com melado decorado cor de rosa: Essa frase sugere um elemento romântico na música, com o autor descrevendo seu beijo como doce e colorido.
O sonho seu vem dos lugares mais distantes terras dos gigantes: Aqui, a música evoca a ideia de sonhos grandiosos e inspiração que podem vir de lugares distantes e desconhecidos.
Super-homem, super mosca, super carioca, super eu, super eu: a referência a ‘super-homem’ e a outros super-heróis pode ser uma metáfora para a ideia de poder e força. O autor pode estar sugerindo que todos têm um lado ‘super’ dentro de si.
Deixa tudo em forma é melhor não sei / Não tem mais perigo digo já não sei / Ela está comigo o som e o sol não sei: esses versos parecem transmitir uma sensação de despreocupação e relaxamento. O autor se sente bem e seguro com a presença da pessoa amada.
O sol não adivinha, baby é magrelinha / O sol não adivinha, baby é magrelinha: o refrão da música parece reforçar a ideia de que o sol não pode prever ou entender tudo, mas ainda é uma presença constante e reconfortante na vida da pessoa. ‘Magrelinha’ pode ser uma forma carinhosa de se referir à pessoa amada.
No coração do Brasil / No coração do Brasil / No coração, no coração / No coração do Brasil / No coração, no coração: o refrão se repete e enfatiza a conexão da música com o coração do Brasil, possivelmente destacando a identidade brasileira e a importância do sol na cultura e na vida das pessoas.
Em geral, ‘Magrelinha’ parece ser uma música que celebra a vida, o amor, a cultura brasileira e a influência positiva do sol. Ela combina elementos românticos e poéticos com uma melodia cativante que a torna uma canção popular e memorável na música brasileira.
O cantor Luiz Melodia não é considerado um ‘maldito’ na MPB; ele é respeitado como um talentoso cantor e compositor que fez contribuições significativas para a música brasileira. Sua voz única e capacidade de fundir diversos estilos musicais, como samba e blues, o destacaram ao longo de sua carreira. Canções como ‘Pérola Negra’ e ‘Magrelinha’ são amplamente apreciadas, e ele é valorizado por sua originalidade e inovação na música. Portanto, em vez de ser visto negativamente, Luiz Melodia é celebrado como um artista influente na cena musical brasileira.” Olga Araujo
“Além da repetição da expressão inicial, o poema/ canção alterna entre maiúsculas e minúsculas, uma sonoridade com rimas finais em ‘ão’.
A mensagem é gradativa, indo do questionamento ao aconselhamento: o autor pergunta ‘que é que tem nessa cabeça irmão’ e depois adverte ‘saiba que ela não pode irmão’, numa alusão à repressão de pensamentos da ditadura.
No verso final, o autor alerta que a ‘cabeça’ pode explodir, que tanto pode significar um conselho para ‘não esquentar a cabeça’ como também uma metáfora de morte pelos agentes repressores.
Embora a letra tivesse um significado importante com o período, o conjunto musical gerado era muito diferente das canções comerciais da MPB, fato que levou o cantor a ser vaiado no festival e a ser tachado de ‘maldito’.
O fato da música ser diferente do que a população estava acostumada a ouvir levou-a ao rótulo de ‘maldita’, bem como Walter Franco que também passou a integrar o grupo de cantores malditos junto com Jards Macalé, Jorge Mautner, Tom Zé, Sérgio Sampaio, Luiz Melodia e Itamar Assumpção.” Enrico Britto